segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Diário de um branco na Aldeia Boa Vista – 5º dia

Acordei no horário habitual. Seu Altino já estava pronto para ir até a reunião do Conselho de Educação. Tomei meu café com leite e tipa e fui para o posto da Funai, onde as pilhas do flash da minha câmera estavam carregando. Chegando lá, não encontrei ninguém, pois todos estavam na reunião.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Diário de um branco na Aldeia Boa Vista - 4º dia

Já é meu quarto dia aqui, as crianças já vêm conversar comigo e já consigo entender algumas poucas palavras soltas. Acordei às 8h como de costume. Arrumei minhas coisas, escovei os dentes, lavei o rosto. Depois fui tomar café na casa do cacique, como de costume café com leite e tipá.


Tipá sendo assado na brasa

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Diário de um branco na Aldeia Boa Vista - 3º dia


A reunião de ontem foi até mais tarde, acabou por volta das 22h. Normalmente às 20h já estão todos em suas casas. Por esse motivo, todos levantaram um pouco mais tarde, às 7h. Essa noite fez bastante frio.

Levantei, arrumei minhas coisas, fui ao banheiro. Mimbí, que é o jovem índio que também dorme na Casa de Reza, veio me chamar para o café da manhã. Desta vez com as crianças e jovens. As mulheres já não fogem de mim, mas ainda não conversam. O “menu” foi café com leite e tipa.

Terminado o café, voltei à Casa de Reza para escovar os dentes, quando chegou Pedro, o guardião. Ele fez sua reza de início de dia. Antes o saudei “diaúdi” – saudação guarani de bom dia. Como toda reza guarani, ele cantou e tocou violão, é uma cerimônia bonita de se ver. Pena que eles pediram para que essas cerimônias não fossem fotografadas.

Depois Pedro foi tomar café, e disse que logo após iríamos andar pela mata para fazermos a ronda. No caminho, ele me mostrou um mondeo, uma espécie de arapuca. No mondeo, o bicho é obrigado a passar por baixo de uma tora, que é derrubada em cima dele. A maioria dos bichos morre, menos o amboá (tatu), que só fica preso e não consegue escapar.

Mondeo, armadilha para pegar bichos pequenos, sendo montado pelo xondaro da Aldeia Boa Vista

Um pouco mais adiante, Pedro localizou um rastro de paca. Então ele decidiu fazer um nhuá, aquela armadilha que prende pelo pé e levanta a caça, como aquela armadilha que sempre aparece em desenhos animados.

Pedro também me ensinou algumas palavras novas:

Pirá = peixe

Coxí = porco do mato

Peqüá = Pegar

Gÿrái = passarinho

Yy = água

Aútche = tomar água

Seu Pedro disse que todos os homens guaranis caçam, mas com arco e flecha. Fazer mondeo ou nhuá só alguns sabem, e ele se orgulha de saber fazer bem. Terminamos nosso “tour” pela aldeia na escola. Almoçamos com as crianças e descemos para descansar um pouco.

Depois do descanso, seu Pedro veio me chamar para mais uma volta. Desta vez fomos para o lado da aldeia que eu ainda não conhecia. Daquele lado moram algumas famílias mais isoladas, sem muita estrutura como água no tanque, por exemplo. Foi a primeira vez que eu vi uma plantação.

Na primeira casa havia várias crianças, algumas peladas. Elas foram bem receptivas, até me convidaram para entrar. Seguindo o caminho, encontramos uma índia lavando roupa no rio. Tirei duas fotos mas não saíram, pois a partir das fotos na escola hoje de manhã eu perdi tudo. Motivo: filme mal colocado. Recoloquei o filme e fotografei a índia.
 
A parte mais afastada da aldeia não possui a mesma infraestrutura das partes centrais
 
Continuando a caminhada, passamos por um lugar onde havia uma casa fechada, e mais a frente estavam sendo construídas três casas da CDHU. Ao fundo uma casinha de madeira. Fiquei muito espantado quando de lá de dentro saiu um coxí (porco do mato). Normalmente esses bichos são bravos e ariscos. Esse não, veio na minha direção abanando o rabinho feito um cachorro. Até fiz carinho nele! Neste lugar também encontramos um casal fazendo artesanato. Fotografei tudo.

Índia fazendo seu artesanato, tendo como trilha sonora o canto dos passarinhos...


... e como companhia a família e seu coxí de estimação, que está escondido atrás do cesto

O final da trilha foi em uma casinha de pau-a-pique, ao lado do rio. Lá mora Arlindo, um índio de 31 anos. Pai de 7 filhos, 2 com a mulher que o abandonou para fugir com o primo e 5 com a atual esposa. Ele veio morar na Aldeia Boa Vista há 6 anos. Sua terra natal é Itanhaém, Aldeia Rio Branco. Lá, Arlindo era cortador de palmito. Também foi lá o seu primeiro casamento. Por motivos de saúde, foi obrigado a parar de cortar palmito. Sofrendo do coração e com problemas espirituais, Arlindo não podia carregar peso.

Ele procurou diversos médicos brancos, mas nenhum descobria o que ele realmente tinha. Foi também nessa época que sua antiga esposa fugiu para o sul com o primo, levando com ela o filho mais novo que ainda mamava no peito e deixando o filho mais velho com a mãe de Arlindo, já que ele não tinha saúde para criá-lo.

Como nenhum médico branco resolvia seu problema de saúde, Arlindo decidiu, em 2000, mudar-se para a Aldeia Boa Vista para tratar-se com um pajé guarani, já que a Aldeia Rio Branco não tinha pajé. “Se não fosse o pajé, hoje eu não estaria vivo não”, desabafou o índio. A partir daí, Arlindo constituiu nova família. Seu filho mais velho, fruto do primeiro casamento, mora com o cacique, porque não se dá muito bem com o pai.

Impedido de carregar peso começou a dedicar-se ao entalhe em madeira. Hoje, ele faz violinos e bichos esculpidos em madeira, e aprendeu a fazê-los sozinho. Arlindo vende, na beira da Rio-Santos e na Aldeia, o violino a R$350,00. O preço dos bichinhos varia conforme o tamanho.

O trabalho de entalhe de um violino, feito por Arlindo, dura em média 4 semanas

Arlindo também é coordenador do grupo musical da Aldeia. Este grupo é formado por 16 pessoas, entre jovens e crianças. No início da semana o grupo, juntamente com os grupos de outras 10 aldeias, foram para o Sesc Pinheiros, em São Paulo, para o lançamento do segundo CD de músicas guaranis. “No primeiro CD só participaram 4 aldeias, nós não participamos. Agora são 11 aldeias”. O coordenador disse que vai organizar uma apresentação exclusivamente para que eu possa fotografar.

A cerimônia de reza foi como das outras vezes, mas com uma diferença, Pedro (que também tem o apelido de Tiró) não apareceu. Quem cantou e tocou na reza foi Maurício, o vice-cacique. Antes do início da reza, Maurício tirou as botas de borracha, o relógio e a camisa de flanela, num ritual que parecia que desta maneira ele deixava de lado os costumes brancos e, de pés descalços, voltara às suas raízes. Podendo assim fumar o seu petyguá e purificar sua alma através da fumaça. Sempre com toda a concentração que o ritual exige.

As danças e os cantos foram os mesmos. Desta vez as crianças mais velhas e adolescentes também participaram, as meninas batendo o pau de chuva no chão e os meninos, de mãos dadas, tocando chocalho.