Voltando, passamos na casa de Dona Olga, Ará Poty. Ela e a
irmã, Iracema (Querexu), nasceram no Paraná, mas foram criadas na Aldeia Bracuí,
em Paraty/RJ. Com a morte de seus pais, decidiram mudar-se com o resto da
família para a Boa Vista.
Na casa de Ará Poty, moram 15 pessoas, sendo que 12 são crianças. É a família com maior número de pessoas morando em uma mesma casa. Com todas essas bocas para sustentar, fica difícil depender apenas da venda de artesanato. Por esse motivo a família aproveitou melhor a área da casa, plantando mandioca, cana e algumas frutas, como laranja, banana, limão e jambolão, além da plantação de palmito para a venda. Também tem criação de patos e galinhas. Além disso, foi feito um pequeno lago ao lado do córrego próximo à casa. Neste lago são criadas tilápias para o consumo da própria família. Nas proximidades da casa, também pode ser encontrado um pé de pitanga, este exclusivamente para fazer remédio para curar as crianças da gripe. No mesmo espaço, está a casa de Querexu, irmã de Olga. Ela dedica a maior parte de seu tempo ao artesanato. Quando cheguei lá, ela estava cortando tiras de taquara para fazer cestas que foram encomendadas a ela.
A pequena Yuá Mirim, uma das 12 crianças da família de Ará Poty |
Querexu durante o trabalhoso processo de confecção de cestas feitas com taquara |
Já de volta a Casa de Reza, Tiró me contou que o serviço dos
xondaros é o mesmo de um policial. Eles são responsáveis pela manutenção da
ordem na aldeia e a guarda de toda a região do território indígena. Tiró, como
é o chefe, faz ronda pelas casas da aldeia, verificando se está tudo bem. Por
esse motivo é difícil encontrá-lo na sua casa, ele está sempre em algum canto
da aldeia. Os outros quatro xondaros raramente estão circulando pela aldeia.
Eles ficam guardando as regiões mais afastadas e fazendo vigília sobre torres
improvisadas em cima das árvores.
Para se defender e defender a terra indígena, os xondaros usam armas rústicas, com o yurá e o popyguá, e também usam espingardas para casos extremos. O yurá é uma espécie de facão de madeira dura, serve para quebrar pernas ou braços dos invasores. O popyguá funciona como um chicote. Com o passar do tempo, o popyguá evoluiu, antigamente sua ponta era feita de cipó, hoje, Tiró faz seu popyguá com ponta de cabo de aço. Dependendo de onde essa arma acertar, o golpe pode ser letal.
À esquerda um yurá e à direita um popyguá, armas utilizadas pelos xondáros |
Durante o período que estão no mato, os xondaros caçam,
pescam e colhem frutas para seu sustento. Os instrumentos de caça são o mondeo,
o mondepy e o nhuã, tudo ensinado pelo chefe. Hoje, Tiró estava fazendo um yurá
maior para ele.
o yurá é fabricado com as madeiras mais duras encontradas nas florestas da Reserva Indígena |
Depois da fabricação de seu novo yurá, Tiró demonstra sua habilidade no manuseio da arma |
Ainda no período da manhã, fui mais uma vez conversar com Maurício, desta vez falamos sobre seu cargo, o de vice-cacique e sobre a função da reunião de liderança. O vice-cacique tem a função de fazer política dentro da aldeia. É ele que resolve os problemas entre famílias, brigas, etc. O vice pode ser nomeado de duas maneiras, por eleição da liderança ou por indicação do cacique. Em caso de eleição da liderança, eles se reúnem e juntos chegam a um nome para ser vice-cacique, que em guarani é ñanderuixá yriguá. No caso de indicação do cacique (ñanderuixá), ele escolhe alguém de sua confiança para substituí-lo em sua ausência.
A reunião de liderança é uma reunião com todos os “cargos”
da aldeia. Nessas reuniões são decididas coisas importantes para a aldeia. Um
exemplo foi a que resolveu sobre o local da construção da Casa de Cultura e
sobre a jovem que queria trabalhar fora da aldeia. “A liderança tem que ser
forte, para resolver as coisas juntos, não tentar resolver sozinho, senão não
dá certo”, diz Maurício.
Terminando nosso bate-papo antes do almoço, Maurício me
disse que o Batismo das crianças da aldeia acontece sempre nos dias 29 e 30 de
janeiro. “A Casa de Reza fica cheia de criança”, disse o índio. A cerimônia
começa por volta das 18h do dia 29 e se estende por toda a madrugada,
terminando somente após o nascer do sol. Nessa cerimônia, as crianças são
purificadas pela fumaça do petyguá do pajé, e nesse momento ñanderu mostra ao
pajé o nome dela. Depois de cada batismo, são cantadas músicas para fortalecer
o espírito das crianças. Após o batismo de todos os indiozinhos, começa o
ritual de purificação e fortalecimento geral.
Depois do almoço, percebi que não havia barulho de criança.
Achei que elas pudessem estar brincando na cachoeira. Encontrei somente três,
uma delas o albino. Deu para tirar duas ou três fotos sem que elas percebessem.
Quando as crianças me descobriram fotografando, começaram a falar “diruá,
diruá...” e correr para se esconderem. Uma delas disse “Lucas”, e voltaram a
brincar normalmente, só que a partir daí, era eu apontar a câmera que elas já
diziam “tirar foto, tirar foto...”. Foi o fim das minhas fotos espontâneas.
Mesmo no inverno as crianças da aldeia adoram brincar no rio |
Brincar na água é uma atividade que envolve crianças e adolescentes da Boa Vista |
Momento em que as crianças me descobriram fotografando a brincadeira delas |
Essa noite poucas pessoas foram a cerimônia de purificação,
mais crianças do que adultos. O que aconteceu de diferente foi que as crianças,
meninos, fizeram a dança de preparação para xondaro. Quase no final da
cerimônia, começou um vendaval. José, que mora na casinha em frente à Casa de
Reza, veio com a família dormir com a gente, já que sua casa é de madeira e
passa muito vento. Outro motivo que fez José e sua família dormirem lá, foi que
sua filha menor está gripada, então rezaram e purificaram seu espírito para que
ela melhorasse.
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