Tipá sendo assado na brasa |
Depois do café, fiquei conversando com Altino e Maurício. Por volta das 10h, os dois sairão para, juntamente com Selma da Comissão Pró-índio, negociarem na prefeitura de Ubatuba a construção da Casa de Cultura. A prefeitura se propôs a ajudar, pois a Casa de Cultura Guarani trará benefícios ao turismo do município.
Maurício disse que eu posso passear à
vontade pela Aldeia, e que posso fotografar o que eu achar que for
necessário para o meu trabalho. Só que antes de fotografar, é bom
que eu converse com as famílias, pois algum tempo atrás Sérgio, um
jornalista de Taubaté que morou dois anos aqui na Aldeia, trouxe um
amigo fotógrafo de São Paulo. Ele fotografou os índios fazendo
artesanato, as crianças tomando banho na cachoeira, as índias
cozinhando e começou a vender as fotos como cartão postal em São
Paulo. Com isso alguns índios ficaram com receio de tirar fotos,
então é bom conversar antes.
Hoje chegou um pouco de leite do
programa do Estado Leve Leite. Também vieram alguns funcionários do
setor de engenharia da Funasa. O governo, seja ele Federal ou
Estadual, da toda a estrutura necessária: saúde, moradia (através
das casas da CDHU que estão sendo construídas), mas é só isso
também. Não existe uma verba que ajude na compra de mantimentos ou
roupas. O que mantém os índios é a venda de artesanato, que fora
da temporada é quase nula.
Enquanto desciam para aldeia com os sacos de leite, os indiozinhos iam tomando um ou dois litros no meio do caminho |
Com a assinatura do Estatuto do Índio, eles começaram a ter direito a aposentadoria, as mulheres a partir dos 55 anos e os homens a partir dos 60. Nas famílias que algum membro recebe o benefício a vida é um pouco mais fácil. Quem não recebe tem que se virar, ir atrás de encomendas de artesanatos. Outro auxílio que alguns índios recebem é o Bolsa Família, programa do governo federal, mas não é específico para os índios.
À tarde, uns homens chegaram num fusca
amarelo trazendo Seu Zé, um índio de uns 90 anos, que estava
bêbado. Pensei comigo: “Ainda bem que minha teoria está certa,
tem muita gente boa nesse mundo”. Eles chegaram dizendo que o
trouxeram para a aldeia para que ninguém faça maldade com ele, não
roube seu dinheiro, nem suas compras. Que nada!!! Dona Íris, a
enfermeira, me contou que eles cobram R$ 5,00 por pessoa para trazer
até a aldeia, e faziam o mesmo com Seu Zé.
Voltando do Posto da Funai, Daniel,
também índio, estava carregando Seu Zé para a aldeia. Ajudei o
índio a carregá-lo. No caminho Seu Zé estava nervoso, mandando
todo mundo “tomar no cu” e xingando todos de “filho da puta”.
Em um determinado momento, o velho índio disse que não tinha medo
de homem. E que ninguém o chamaria de vagabundo. Neste momento
entendi que o que deixara o velho índio tão bravo fora o
preconceito. Infelizmente é comum ouvirmos alguém falando que
índios são um bando de vagabundos. Levamos Seu Zé até sua casa e
o deixamos lá sentado. Seu Zé é um dos índios mais velhos da
aldeia.
Seu Zé, ou Embareté que em guarani significa "Aquele que tem fé" |
Na hora do café da tarde, sentados em volta da fogueira, os índios mais jovens davam muita risada, e falavam diruá várias vezes. Tive a impressão que estavam tirando sarro de mim. Não tem como saber, já que diruá é qualquer homem branco e eu não entendi o que eles estavam falando. Tem horas que fica complicado manter a paciência. Resolvi sair de perto e ir conversar com Seu Altino.
Perguntei ao cacique se algum índio
trabalhava fora da Aldeia. “Para trabalhar lá fora precisa de
estudo”, respondeu o cacique. Na escola, somente algumas crianças
assistem às aulas, a maioria vai lá por causa da merenda. Nenhuma
criança da aldeia é obrigada a estudar, por isso o índice de
crianças e jovens na escola é baixo. É também por esse motivo que
poucos jovens falam português.
Meu dia terminou na cerimônia de
purificação e agradecimento. Um índio que eu não reconheci, fumou
tanto petyguá para purificar sua esposa que até passou mal. Vomitou
ao lado do “altar”. O canto das crianças também foi diferente,
mas sem perder a sua beleza.
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