segunda-feira, 27 de maio de 2013

Caminos Andinos - Terceiro dia

Depois de acertar para viajar de clandestino no “Trem da Morte”, nós seis (Eu, meu primo, as duas cariocas e as duas paulistas) fomos para o último vagão do trem. Aliás, vale ressaltar que os bolivianos não gostam que chamem o trem de “Trem da Morte”, eles dizem que não existe trem da morte na Bolívia.

Procurado pela maioria dos mochileiros que vão à Bolívia, o trem que vai de Puerto Quijarro à Santo Cruz de la Sierra é uma atração turística.
Um policial ficou com nossos RG's até pagarmos. O próprio responsável pelo trem é que receberia a nossa “propina” para viajarmos sem passagem. Ficou combinado que as quatro mulheres viajariam na mesma poltrona até Santa Cruz, eu e meu primo teríamos que ir trocando de poltrona conforme os donos fossem chegando e a partir de San José dos Chiquitos iriamos no vagão restaurante. Fazer isso me pareceu bem melhor do que passar uma noite em Puerto Quijarro.

A grande maioria dos mochileiros que estavam no trem era de brasileiros.
Duas horas depois do trem sair já tivemos que trocar de lugar, o detalhe é que seriam 16 horas de viagem e em apenas duas já havia começado nossa dança das poltronas. Demos sorte pois, nesta primeira mudança fomos para um vagão menos quente e mais espaçoso. A poltrona também reclinava mais. Conosco estavam mais seis clandestinos e foi nesse vagão que passamos o maior perrengue.

Com a peregrinação das poltronas pudemos conhecer quase todos os vagões e notamos que quase não há diferença entre eles.
Quem toma conta e fiscaliza o transporte na Bolívia é o exército. Estávamos dormindo quando as luzes se acenderam e um soldado do exército começou a verificar os lugares e as passagens do nosso vagão. Nesse momento veio um frio na barriga e uma certa ansiedade, afinal não tínhamos passagem. Cada vez que eu ouvia ele pedindo as passagens dava um nó na minha garganta, até que ele finalmente chegou nos nossos lugares e perguntou: ¿Pasajens? E eu respondi: No tengo. Ele colocou as mãos nas duas poltronas, na minha e na da frente, como se fechasse para não fugirmos, olhou bem nos meus olhos e disse: ¡Ah, no tienes! Nesse momento o desespero ficou explícito nas nossas expressões. A única coisa que passava na minha cabeça era “E agora?” A possibilidade de ser preso ou ter que encerrar a viagem logo no terceiro dia me assombrava. Foi quando o homem responsá
vel pelo trem apareceu meio que correndo e falando alguma coisa que eu não consegui entender. O soldado nos olhou como se dissesse “conseguiram se safar heim” e foi embora fazendo seu trabalho. Uma sensação de alívio tomou conta de mim.

Foi por esta porta que o soldado entrou e começou nosso sufoco.

À 1h30 tivemos que mudar de lugar de novo, já estávamos em San José. Não precisamos ir para o vagão restaurante, ficamos na parte da frente do vagão que estávamos. Desta vez fomos no mesmo lugar até Santa Cruz. Assim como a saída, a chegada foi pontual. 8H da manhã desembarcamos no terminal bimodal de Santa Cruz de la Sierra.
Depois de 16 horas de viagem, o destino estava bem próximo.

Desembarque pontual na Estação Bimodal de Santa Cruz de la Sierra.

Demos uma volta pelo centro da cidade procurando um lugar para tomar banho. Meu último banho tinha sido em casa, antes de sair para a viagem. Na primeira volta não encontramos lugar, então decidimos comprar as passagens para La Paz. 170 bolivianos, ônibus leito e mais 16 horas de viagem. Na própria rodoviária tomamos banho gelado num banheiro que tinha aparência abandonada. Os chuveiros ficavam no subsolo, dava para ver os pés das pessoas andando pelo terminal. Paguei 3 bolivianos pelo banho, o equivalente a R$ 0,50, mas valeu cada centavo! Tomar banho depois de 38 horas de estrada, dois dias de viagem é sensacional.

De banho tomado e energia renovada, fomos dar uma volta para conhecer um pouquinho de Santa Cruz de la Sierra. Ficamos por perto da rodoviária e fomos parar numa praça, até que bem bonita e bem cuidada. O mais interessante dessa volta foi ver os carros. Cada carro estranho, bem diferentes dos que estamos acostumados a ver. Aqui uma Honda Bros nova custa 1200 dólares. Achei legal perceber a diferença da situação econômica entre Brasil e Bolívia. No Brasil são poucos os carros velhos e caindo aos pedaços, o povo já tem poder aquisitivo suficiente para manter uma frota mais nova país. Já na Bolívia é o contrário, são poucos os carros novos circulando.

Passamos um bom tempo nesta praça vendo o movimento enquanto esperávamos o horário de partida para La Paz.

Ela pode ser mais barata que aqui no Brasil, mas pode-se observar pela marca do motor que a moto não é 100% original. 

A grande maioria dos carros bolivianos são de origem japonesa.
15h é o horário da nossa partida para La Paz. Mais 16 horas de estrada, e agora subindo. Saíremos dos 416m de altitude de Santa Cruz para os 3660m de altitude em La Paz. Depois de encarar o desafio de viajar de clandestino no trem, nosso próximo desafio vai ser encarar o soroche, também conhecido como mal de altitude.
Juninho, Luiza, Julia e eu, clandestinos do trem.

Já na estrada rumo à La Paz.

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