Saí de Campos do Jordão por volta das 7h. Foi uma viagem tranquila, meu pai me levou para Ubatuba. Cheguei à Aldeia aproximadamente às 10h30. Seu Altino não estava. O esperei até quase meio dia, quando ele chegou. Conversamos, mostrei a autorização da FUNAI para ele. Ele pediu para que eu aguardasse que ele estava esperando uma ligação da Comissão Pró-Índio.
Tirei minhas coisas do carro e me despedi de meu pai. Passados uns 10 minutos, Seu Altino disse que eu poderia pegar minhas coisas porque já iríamos descer para a aldeia. Coloquei minha mochila nas costas, peguei o equipamento fotográfico e a rede. Deixei a cesta básica para depois.
Na trilha descemos: a esposa de Seu Altino, Seu Altino e eu. Pelos 700 metros de trilha ninguém trocou sequer uma palavra. Neste instante me lembrei do que Sydney Possuelo disse quanto a capacidade do índio de conviver com ele mesmo.
Chegando na aldeia, Seu Altino me mostrou onde eu iria dormir durante minha estadia: na Casa de Reza. Guardei minhas coisas no canto da Opy (Casa de Reza em guarani) e fui, a convite do Seu Altino, à casa do cacique.
Ele me convidou para entrar, me mostrou a casa (somente “sala” e “cozinha”) e me convidou para almoçar. “Já vamos preparar o almoço, você já almoçou?”. Respondi que não e disse que enquanto preparavam a refeição eu iria buscar a cesta básica. Voltei ao Posto da FUNAI e desci de volta para a casa do cacique carregando a cesta. Foram os 700 metros mais suados da minha vida, ô caixa pesada!!! Chegando perto da casa de Seu Altino abriu o fundo da caixa, derrubando duas latas de óleo e uma de extrato de tomate. Logo veio uma criança me ajudar.
Almoço sendo preparado na casa do Cacique |
Depois de entregar a cesta, enquanto eu lavava meu rosto no tanque, apareceu o cacique para lavar um frango (congelado, daqueles comprados em supermercado). Conversamos sobre meu trabalho, mas falamos mais sobre a aldeia. A Aldeia Boa Vista foi reconhecida pela FUNAI em 1970, mas antes disso já existia. A reserva tem 920 hectares, sendo que quase tudo é de mata atlântica nativa.
Seu Altino nasceu na Aldeia Rio Branco, em Itanhaém, que em guarani significa pedra que sobe. Veio para a Tekoá Boa Vista no início dos anos 70. Ele também disse que não gosta de falar do passado da vida dele, por isso não insisti. Após o reconhecimento da Aldeia, Seu Altino foi o primeiro cacique.
Nos dias de hoje, cacique é um cargo político, de relacionamento. É através dele que a aldeia faz contato com os brancos, sendo o representante oficial da Tekoá fora dela. Por esse motivo, Seu Altino foi escolhido cacique, pois, na época, era um dos poucos que falava português.
A distribuição de “cargos” na sociedade guarani conta com as seguintes figuras:
- Cacique: representante da Aldeia;
- Pajé: cuida da saúde dos índios;
- Guardiões: índios responsáveis pela guarda e segurança da Aldeia. São liderados por um chefe.
Na comunidade, uns ajudam aos outros, mas sem perder a individualidade familiar. Cada família é responsável pela sua horta e sua alimentação, sendo somente de responsabilidade comum a roça de milho e de mandioca.
Iniciamos o almoço. Enquanto eu tirava minha comida, vi alguns fogões a gás enferrujados, jogados no mato. Perguntei se eles não gostavam de usar fogão, Seu Altino respondeu: “Cozinhar no fogão à lenha deixa a comida mais gostosa”. O cardápio era arroz, feijão e frango ensopado. Tudo sem o sabor que estamos acostumados, pois são temperados apenas com sal. Também teve suco de limão, Seu Altino até brincou: “É tudo natural”, se referindo ao suco que era em pó.
Depois do almoço, o cacique me mostrou as fotos da representante da Comissão Pró-índio, que fez um trabalho de resgate dos corantes naturais usados por eles. Ganhei um exemplar do livro.
Capa do livro feito pela Comissão Pró-Índio |
Todos os adultos da Aldeia conhecem as tradições e costumes dos guaranis e passam para as crianças. O cacique falou que os guaranis sempre foram do litoral, e com a chegada dos portugueses foram fugindo para o Paraguai e Argentina, negando a teoria que eles tenham vindo de lá.
Seu Altino também me falou da intenção de ser criada na aldeia uma Casa de Cultura, para divulgar as tradições guaranis e aumentar a renda dos índios com a venda de artesanato e palmito, sempre através do turismo. Isso é de suma importância, haja vista que a FUNAI não destina verba para as aldeias. A maior fonte de renda deles é a venda de artesanato, somada à ajuda de custo do programa Bolsa Família e a aposentadoria dos mais velhos.
Na aldeia estão sendo construídas 50 ocas de alvenaria, dadas pela CDHU. “Foi difícil conseguir isso, a FUNAI era contra, dizendo que o índio ia perder a cultura. Mas quando a gente fazia oca de sapê, veio o meio ambiente e proibiu. Quando fez casa de pau-a-pique, a saúde não deixou. Telha, tijolo, vêm tudo do barro, é natural”, explicou o cacique.
No final da tarde, fomos para a Casa de Reza para que houvesse o agradecimento do dia. Nesse ritual os índios fumam o petyguá (cachimbo), soltando fumaça nos cantos da casa e nas pessoas presentes. Na cultura deles a fumaça purifica. Eles vão fumando, soltando fumaça e cuspindo no chão durante todo o ritual. Depois que todos fizeram isso, o Xondaro (guardião) cantou e tocou violão. Ao seu lado estavam cinco crianças, três do lado esquerdo batendo um bastão de bambu no chão, e duas do lado direito tocando chocalho. Todos de costas para o resto dos índios do local. Depois que fumam, parece que eles entram em transe. Quando termina o ritual de agradecimento, cada família vai para sua casa, isso por volta das 19h30.
O interior da Casa de Reza (Opy) é o cenário onde todas as noites acontecem os rituais de agradecimento |
Os índios não têm rotina, vão fazendo as coisas conforme sua necessidade. Acordam quando têm vontade, almoçam na hora que dá fome e assim por diante. O mesmo acontece com o banho, que é em cachoeira ou em um chuveiro ao lado do banheiro, mas sempre com água gelada.
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